Poluição deixa patos verdes
A proliferação excessiva de algumas espécies de algas e cianobactérias no Reservatório Salto Grande está afetando negativamente todo o ecossistema local. Na manhã do dia 02/04, por exemplo, a Associação Barco Escola da Natureza fotografou alguns patos que ficaram verdes após mergulharem na represa. Muito pior que mudar a coloração original dos seres vivos que entram em contato com águas tomadas por esses microrganismos são seus impactos à saúde. Alguns desses podem produzir neurotoxinas bastante potentes.
Sobre a cor esverdeada na plumagem das aves, ela não é caracterizada, especificamente, pelas cianobactérias, mas, sim, por um biofilme onde se predomina as algas “clorofíceas” (de cor verde). “Neste biofilme, encontram-se cianobactérias – antigamente classificadas como algas azuis e hoje como bactérias azuis -, protozoários, bactérias e até fungos”, informa o presidente do Barco Escola e biólogo, Carlos César Gimenez Zappia.

De acordo com ele, as toxinas das cianobactérias são liberadas, principalmente, após um processo de estresse e, consequentemente, da liberação de metabolitos citoplasmáticos (conteúdo do interior das células) em contato com a corrente sanguínea. “As consequências da simples ingestão ainda não são muita claras e não se pode avaliar ou afirmar com certeza o número de indivíduos que podem causar uma intoxicação e tão pouco o grau desta. O problema está principalmente ligado aos centros de hemoterapia [hemodiálise] desatentos, onde podem ocorrer o contato direto das toxinas com a corrente sanguínea”, ressalta Zappia.
Pato que ainda não havia entrado na água da represa observa seu 'amigo verde'.
Por sua vez, a bióloga Mariana Araguaia de Castro Sá Lima destaca alguns impactos desses microrganismos na saúde do homem: “diminuição dos movimentos, prostração, cefaleia, febre, dor abdominal, náuseas, vômitos, diarreia e hemorragia intra-hepática são sintomas que podem caracterizar a intoxicação humana ao ingerir água ou pescados com cianobactérias. O contato direto da pele com a água contaminada pode provocar irritação ou erupções, inchaços dos lábios, irritação dos olhos e ouvidos, dor de garganta e inflamações nos seios da face, além de asma”.
No ambiente
O biofilme esverdeado impede a entrada de luz nas camadas mais profundas da água e prejudicam a oxigenação de um corpo hídrico. “Infelizmente, o boom de cianobactérias no Reservatório Salto Grande não é nenhuma novidade. Devido às condições climáticas vivenciadas no início deste ano, em que houve uma severa estiagem, o menor volume de águas nesta represa levou a uma concentração elevada de nutrientes no manancial, o que favoreceu a reprodução das bactérias azuis, as quais se espalharam por todo o espelho d’água e, em alguns pontos, chegam a atingir até um metro de profundidade. Esses organismos representam significativos níveis de toxicidade que acabam sendo incorporados à cadeia alimentar, podendo levar a um desequilíbrio do ecossistema local, além de causar danos à saúde humana. Alguns esforços se mostram necessários para a solução desse problema, mas nenhum destes será eficaz enquanto não houver um tratamento pleno e eficaz dos efluentes lançados no Rio Atibaia e seus afluentes”, afirma o gestor ambiental, Denis Marto.
“Estamos verificando uma multiplicação exagerada, uma repetição de booms de crescimento de algas, cianobactérias e protozoários – microrganismos que podem comprometer todo o equilíbrio ecológico da represa”, complementa o biólogo.
Percebendo algo estranho em sua plumagem, o pato bate asas na tentativa de se livrar do biofilme com cianobactérias.
Segundo Zappia, o risco da multiplicação sem controle de microrganismos no reservatório começou a ser debatido há quatro anos, mas nunca foi levado a sério pelos órgãos responsáveis pela gestão do reservatório. Em 2010, o alerta foi lançado no Comdema (Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente) de Americana (SP), mas poucas ações foram tomadas desde então.
Fato curioso
A proliferação dos microrganismos ficou mais evidente há poucos anos, depois que as cidades rio acima, que lançavam seus esgotos quase que in natura nas águas do Atibaia – que forma a represa -, ativaram suas estações de tratamento de efluentes apenas com tratamento secundário.
“Hoje, a carga de esgoto sem tratamento despejada é mais de 60% menor do que aquela que chegava no reservatório há oito ou dez anos. Este ‘clareamento’ das águas causa uma euforia nos pescadores e na população do entorno, que veem aí os sinais de recuperação do manancial. Mas isso é uma faca de dois gumes, pois é exatamente ele que está causando a proliferação dos microrganismos”, alerta o presidente do Barco Escola.
Atualmente, as estações de tratamento de esgoto fazem apenas os tratamentos primário e secundário, ou seja, removem os sólidos em suspensão, que são responsáveis pelo “escurecimento” da água, e da carga orgânica. Porém, não realizam o tratamento terciário, que seria a remoção de nutrientes da água que é despejada nos rios. Estes nutrientes – o fósforo e o nitrogênio – estão na base da composição dos adubos para plantas, e são essenciais para a multiplicação dos microrganismos da represa.
“A luz penetra mais fundo nas águas e cria condições para a realização da fotossíntese a uma profundidade bem maior. Ou seja, ampliamos o ambiente ideal para a reprodução de algas e cianobactérias”, diz Zappia.
O presidente da organização ambientalista adverte que foram registrados aumentos de mais de 100% no número de protozoários e de até 500% no de algas e cianobactérias, com relação ao que foi verificado há quatro anos na represa americanense.

A Associação Barco Escola da Natureza é uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) nascida em 2000, e que tem como objetivo promover a educação ambiental e colaborar com a conservação do meio ambiente, em especial do Reservatório Salto Grande. A sede da entidade está localizada na Avenida José Ferreira Coelho, 815, Praia dos Namorados, Americana.
Mais informações:
Carlos Zappia – (19) 3471-2942 ou zappia@daeamericana.com.br
Denis Marto – (19) 3465-2761 ou voluntario@barcoescola.org.br
Juan Piva
Assessoria de Comunicação
Associação Barco Escola da Natureza